segunda-feira, 25 de julho de 2016

Uma molécula para combater quatro vírus ao mesmo tempo

 Estudo descobre alvo para inibir vírus da Aids, da hepatite C, da dengue e da Febre do Nilo Ocidental


A ideia de que uma única pílula possa combater várias doenças infecciosas ao mesmo tempo começa a tomar forma. Ainda falta muito para que um medicamento desse tipo chegue às farmácias, mas, nos laboratórios, começa a ser desenvolvida a semente do que poderia ser uma nova família de drogas panvirais. A pedra angular desse projeto acaba de ser colocada por um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa da Aids (IrsiCaixa) e da Universidade Pompeu Fabra (UPF), de Barcelona, que criaram uma molécula capaz de combater, simultaneamente, o vírus da Aids, da hepatite C, da dengue e da Febre do Nilo Ocidental.
Os pesquisadores conseguiram modelar um elemento da célula que hospeda o vírus para inibir uma proteína que ajuda o organismo a se replicar. Especificamente, a molécula foi concebida para neutralizar a proteína DDX3, cuja presença era necessária para replicar os vírus que causam a Aids (HIV) e a hepatite C (HCV). "Tínhamos identificado o alvo molecular deste composto, e químicos especializados foram responsáveis por modelá-lo para infiltrar essa estrutura química dentro da proteína", diz José Esté, chefe do grupo de Patogênese do HIV do IrsiCaixa.
Os resultados dos ensaios em culturas celulares da molécula demonstraram sua eficácia para inibir o vírus da hepatite C e alguns tipos de HIV resistentes aos antivirais comuns. Além disso, quando os pesquisadores viram a potência dessas moléculas contra o HCV, decidiram dar um passo adiante e procurar outros vírus cujos mecanismos de reprodução fossem semelhantes aos do causador da hepatite C. Os cientistas fizeram o teste com o vírus da dengue e o da Febre do Nilo Ocidental, que compartilham a estratégia de replicação e genoma com o HCV, e descobriram que a molécula também funcionava contra eles.
Embora ainda haja um longo caminho a percorrer no laboratório e a eficácia do medicamento tenha de ser confirmada em outros estudos in vitro e em modelos animais, os pesquisadores dizem que esta descoberta é a porta de entrada "para desenvolver uma nova família de drogas panvirais, com capacidade para inibir vários vírus ao mesmo tempo". O estudo foi publicado na revista PNAS. "Esta molécula será de grande utilidade porque os pacientes imunodeprimidos, por exemplo, sofrem muitas doenças", destaca Esté, que não descarta que esta molécula também possa ser eficaz contra outros vírus, como o zika ou o chikungunya. "Muitas dessas infecções ocorrem onde já existem outras doenças endêmicas, que, embora não representem um perigo, tampouco atraem as farmacêuticas para pesquisá-las, e não há tratamento", acrescenta o pesquisador.Além deste projeto abrir a porta para simplificar o tratamento de pessoas infectadas com os diversos vírus e também buscar alternativas de tratamento para doenças que não tinham cura (não há nenhuma droga aprovada contra o vírus do Nilo Ocidental ou contra a dengue), os pesquisadores destacaram que a molécula age contra uma parte da célula, e não contra o vírus, dificultando que este desenvolva resistência contra o fármaco. "Um vírus é um parasita intracelular, precisa de alguns elementos da célula para funcionar. A maioria dos tratamentos ataca os vírus diretamente, e estes, por sua vez, desenvolvem estratégias para se esquivar dos ataques. No entanto, o que estamos fazendo é inibir um desses elementos da célula que são necessários ao vírus, e é mais difícil que se proteja e se torne resistente contra isso", disse Esté.
No entanto, Esté recomenda paciência e prudência. "Encontramos o alvo, o primeiro composto", diz, mas o caminho a percorrer para que uma droga panviral chegue ao mercado ainda é muito longo. O importante, afirma, é que "o interesse no desenvolvimento de panvirais é alto", e isso é "promissor" para a pesquisa.
Disponível em <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/25/ciencia/1461605176_424531.html>

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Bactéria encontrada no solo da Amazônia desperta interesse farmacêutico

O que é a pesquisa?

Bactérias pertencentes ao grupo das actinobactérias têm despertado grande interesse científico por serem capazes de produzir substâncias terapêuticas, tais como antibióticos, antiparasitários, antitumorais, anti-inflamatórios, antivirais. Essas bactérias também produzem enzimas como amilase e celulase, que têm  aplicação nas indústrias alimentícias e têxtil. Mais de sete mil substâncias naturais são produzidas pelas actinobactérias, principalmente as do gênero Streptomyces, responsáveis pela matéria-prima de mais de 70% dos antibióticos comercializados.

A região Amazônica é um ambiente propício a proliferação das actinobactérias, pois a diversidade de vegetação, solos e características climáticas, resultam em uma ampla diversidade desses micro-organismos e das substâncias produzidas por eles. Com objetivo de avaliar o potencial biotecnológico das actinobactérias, a pesquisadora Katrine Escher, do Laboratório de Microbiologia, do Instituto de Saúde Coletiva (ISCO), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), busca isolar e identificar bactérias encontradas no solo da Amazônia, produtoras de substâncias de  interesse farmacêutico.

Como é feita a pesquisa?

A macacaporanga é uma planta nativa da Amazônia, conhecida pelo seu aroma e propriedades medicinais como antibacteriano. Foram encontradas na raiz dessa planta três actinobactérias, as quais foram cultivadas em laboratório – com condições favoráveis ao seu crescimento – identificadas e classificadas de acordo com seu potencial de produzir substâncias de interesse industrial. Foram utilizadas várias metodologias para avaliar o potencial farmacológico dessas substâncias, como a ação sobre fungos e bactérias causadores de doenças em humanos, animais e plantas, e sua aplicação nos setores agronômico (como fertilizantes) e ambiental (por exemplo, na despoluição de ambientes contaminados por óleo).

As bactérias produtoras de substâncias bioativas foram identificadas por métodos bioquímicos amplamente usados na microbiologia e submetidas à produção destas substâncias de interesse por meio de processos de fermentação em meio líquido  em condições controladas de temperatura e acidez.  O produto resultante da fermentação passa por um processo de purificação que utiliza solventes orgânicos, obtendo-se, assim, as substâncias bioativas, as quais são identificadas, posteriormete,  pela sua estrutura molecular.

Qual a importância da pesquisa?

As actinobactérias estudadas apresentaram ação contra fungos e bactérias de interesse clínico e ambiental, inclusive contra a Candida albicans e Staphylococcus aureus, micro-organismos frequentemente associados a casos de infecção hospitalar. Elas também se mostraram ativas contra patógenos de plantas de interesse agronômico (Fusarium sp. e Rhizoctonia solani) e de interesse florestal, como os fungos  (Postia placenta e  Polyporus sanguineus) que apodrecem a madeira.

Dentre as substâncias biotivas produzidas, uma das mais promissoras é a L-glutaminase, que apresenta ação antitumoral no tratamento de doenças graves como a leucemia linfóide aguda (LLA). Outras substâncias produzidas por essas actinobactérias são amplamente utilizadas pela indústria alimentícia, como as amilases, que atuam na hidrólise do amido, as pectinases, utilizadas na produção de vinhos e sucos, e as lipases, que atuam na degradação de óleos e gorduras, tendo aplicação na fabricação de detergentes biodegradáveis e na remediação de solos poluídos com óleos.
Publicado em 12 de maio de 2016.